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Interview with Prof. Dr. Hüseyin Bağcı, published at rtp.pt in Portuguese
Turquia adotou retórica nacionalista e novo multilateralismo – académico turco
por Lusa
O académico turco Husseyin Bagci considerou hoje que a Turquia alterou a sua “retórica islâmica” para uma “retórica nacionalista”, com o seu multilateralismo a concentrar-se na região da Ásia central e Cáucaso em detrimento do Médio Oriente.
“A retórica da Turquia alterou-se, e da inicial retórica islâmica temos agora uma retórica mais nacionalista”, assinalou Husseyin Bagci, diretor do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade de Economia e Ciências Administrativas da Middle East Technical Universtiy (METU) em Ancara, e que hoje participou num dos painéis da IV Conferência Internacional promovida pelo Observare, o centro de estudos em Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa.
“Agora, a Turquia está a tentar contribuir para esses países através da educação, relações económicas, e tem uma estratégia política e económica para essa parte do mundo”, indicou numa referência aos países turcófonos da Ásia Central e ao Azerbaijão, todas ex-repúblicas soviéticas.
Na perspetiva do investigador, que interveio por via digital a partir de Ancara, a Rússia também possui óbvios interesses geopolíticos e permanece muito atenta às iniciativas da Turquia, e também da China, nessa vasta região.
“A Rússia e a China têm agora o `bloco` do Estado turco entre elas, não numa perspetiva militar, nem a um nível económico como sucede com os países da ASEAN [Associação das Nações do Sudeste Asiático], mas neste caso o multilateralismo turco pode ser muito bem-sucedido”, disse.
No entanto, e no início da sua intervenção, Husseyin Bagci começou por admitir o que designou por “erosão do multilateralismo”, considerado “um dos maiores riscos num mundo onde hoje existem mais Estados-nações e que se tornou mais complexo”, antes de recorrer a vários exemplos para recordar que EUA e a China são dois importantes países com abordagens diferentes face ao multilateralismo.
“O balanço de poder registava-se no século XIX quando existiam diversos impérios – russo, otomano, austro-húngaro. De momento não existe balanço de poder entre potências, ou grandes potências, à exceção talvez de três países, Rússia, China e Estados Unidos”, indicou.
Neste contexto, considerou que a Turquia do Presidente Recep Tayyip Erdogan se tem posicionado “de forma equidistante” face a estes três grandes poderes internacionais, e sem esquecer a União Europeia com quem Ancara mantém relações instáveis.
“Estes três poderes estão todos na parte norte do mundo, a parte sul do mundo não tem grandes potências. E isso é importante devido às críticas que consideram as Nações Unidas dominadas por poucas potências, por cinco potências. O Presidente turco Recep Tayyip Erdogan tem criticado fortemente esta situação, referido que o mundo atual já não é comparável ao que surgiu após 1945”, assinalou.
O académico e investigador admitiu que numa situação “pós-Covid-19” sejam possíveis mais discussões sobre a forma de moldar a ordem mundial, pelo facto de o atual modelo não responder aos principais problemas.
“Na ONU, na Conferência islâmica, em diversos organismos internacionais, a nível interno, Erdogan sempre criticou a estrutura das Nações Unidas, que não representa a maioria dos países”, recordou, antes de enfatizar que “são os acontecimentos que definem as mudanças”, tantas vezes imprevisíveis, como se verificou com a designada Primavera Árabe.
Num regresso ao multilateralismo turco, Husseyin Bagci também recorreu ao significado da presença da Turquia na NATO que ocorreu — juntamente com a Grécia — em 1952, há quase 70 anos.
“Hoje, a segurança europeia depende de quatro países não-europeus, que não pertencem à União Europeia, os Estados Unidos, o Reino Unido que abandonou a UE, a Turquia e a Rússia”, referiu, sem deixar de espelhar algumas contradições internas: “A NATO considera que não é necessária a duplicação da segurança europeia, e quer assumir-se como a estrutura estratégica da segurança europeia”.
Na sua exposição, Husseyin Bagci faz ainda alusão ao processo de Astana, desencadeado em janeiro de 2017 pela Rússia e Irão, aliados do regime de Síria, e pela Turquia, apoiante de forças rebeldes sírias, mas definido como “um dos mais recentes e importantes projetos multilaterais”.
Nessa perspetiva, e recorrendo às resoluções da ONU, considerou também “legítima a presença da Turquia na Síria”, pelo facto de um país poder “adotar” medidas caso exista uma “ameaça terrorista”.
Uma “cooperação” entre Moscovo e Ancara que o académico estendeu até ao recente conflito entre a Arménia e o Azerbaijão em torno do enclave do Nagorno-Karabakh, e quando os dois países optaram por atuar “numa perspetiva de consenso político”, apesar da persistência de uma elevada tensão.
A situação no Mediterrâneo oriental e o contencioso entre a Turquia e diversos países da área (em particular Grécia Chipre, Israel e Egito) foi outro tema assinalado pelo professor universitário turco, que também denotou uma “revitalização” em toda essa área.
“Hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos deslocou-se à Turquia, a primeira visita em nove anos, e assiste-se a uma revitalização em toda essa área”, assegurou, num processo que englobará os restantes países da zona, incluindo a Líbia, e na sequência do contestado acordo marítimo entre a Turquia e o ex-Governo de Acordo Nacional liderado por Fayez al-Saraj em novembro de 2019.
“Em 24 de dezembro vão decorrer eleições na Líbia e em definitivo a Turquia não desempenha uma função decisiva, mas é importante nesse país. E na minha perspetiva não é apenas a única responsável pela turbulência na área, porque existem muitos outros”, asseverou.
Pela sua situação geopolítica, e a sua particular perspetiva multilateralista, a Turquia também tem mantido contactos regulares com os talibãs, após a sua tomada do poder no Afeganistão em Agosto, e com o vizinho Paquistão, uma abordagem que “ainda não é muito bem compreendia” a nível externo.
“Mas estou seguro de que nas próximas semanas e meses” as posições turcas “terão outro valor, a nível diplomático, político, militar e económico. É um outro nível do multilateralismo turco”.
Perante este panorama, e apesar dos “múltiplos desafios” enfrentados pelo multilateralismo turco, Husseyin Bagci concluiu com uma ambição: “tivemos falhanços e sucessos, mas espero que se tenham extraído lições de todos estes erros em particular no Médio Oriente e que se torne num fator multilateral mais positivo da política externa da Turquia”.TÓPICOSCiências Administrativas Middle East Technical Universtiy METU , Grécia , Grécia Chipre Israel , Turquia , Fayez
English translation by Google
Turkish academic Husseyin Bagci today considered that Turkey changed its “Islamic rhetoric” to a “nationalist rhetoric”, with its multilateralism focusing on the Central Asia and Caucasus region at the expense of the Middle East.
“Turkey’s rhetoric has changed, and from the initial Islamic rhetoric we now have a more nationalist rhetoric,” said Husseyin Bagci, director of the Department of International Relations at the Middle East Technical Universtiy (METU) Faculty of Economics and Administrative Sciences in Ankara, and that today he participated in one of the panels of the IV International Conference promoted by Observare, the study center in International Relations of the Autonomous University of Lisbon.
“Now Turkey is trying to contribute to these countries through education, economic relations, and it has a political and economic strategy for that part of the world,” he said in a reference to the Turkophone countries of Central Asia and Azerbaijan, all former republics Soviets.
From the perspective of the researcher, who intervened digitally from Ankara, Russia also has obvious geopolitical interests and remains very attentive to the initiatives of Turkey, and also China, in this vast region.
“Russia and China now have the Turkish state bloc
between them, not from a military perspective, nor on an economic level as happens with the ASEAN [Association of Southeast Asian Nations] countries, but in this case Turkish multilateralism can be very successful,” he said.
However, at the beginning of his speech, Husseyin Bagci began by admitting what he called the “erosion of multilateralism”, considered “one of the greatest risks in a world where today there are more nation-states and which has become more complex”, before using several examples to remind us that the US and China are two important countries with different approaches to multilateralism.
“The balance of power was registered in the 19th century when there were several empires – Russian, Ottoman, Austro-Hungarian. At the moment there is no balance of power between powers, or great powers, with the exception of perhaps three countries, Russia, China and States United,” he indicated.
In this context, he considered that the Turkey of President Recep Tayyip Erdogan has positioned itself “equidistantly” in relation to these three great international powers, and without forgetting the European Union with whom Ankara maintains unstable relations.
“These three powers are all in the northern part of the world, the southern part of the world has no major powers. And this is important given the criticisms that consider the United Nations dominated by a few powers, by five powers. Turkish President Recep Tayyip Erdogan has strongly criticized this situation, considering that the current world is no longer comparable to the one that emerged after 1945”, he pointed out.
The academic and researcher admitted that in a “post-Covid-19” situation, further discussions are possible on how to shape the world order, given that the current model does not respond to the main problems.
“At the UN, at the Islamic Conference, in various international organizations, at the internal level, Erdogan has always criticized the structure of the United Nations, which does not represent the majority of countries”, he recalled, before emphasizing that “it is the events that define the changes” , so often unpredictable, as was the case with the so-called Arab Spring.
In a return to Turkish multilateralism, Husseyin Bagci also appealed to the significance of Turkey’s presence in NATO that took place — together with Greece — in 1952, nearly 70 years ago.
“Today, European security depends on four non-European countries, which do not belong to the European Union, the United States, the United Kingdom that left the EU, Turkey and Russia”, he said, while reflecting some internal contradictions: “NATO considers that the duplication of European security is not necessary, and wants to assume itself as the strategic structure of European security.”
In his presentation, Husseyin Bagci also alludes to the Astana process, launched in January 2017 by Russia and Iran, allies of the Syrian regime, and by Turkey, a supporter of Syrian rebel forces, but defined as “one of the most recent and important multilateral projects”.
In this perspective, and using UN resolutions, he also considered “the presence of Turkey in Syria legitimate”, given the fact that a country can “adopt” measures if there is a “terrorist threat”.
A “cooperation” between Moscow and Ankara that the academic extended to the recent conflict between Armenia and Azerbaijan over the Nagorno-Karabakh enclave, and when the two countries chose to act “from the perspective of political consensus”, despite the persistence of a high voltage.
The situation in the eastern Mediterranean and the dispute between Turkey and several countries in the area (in particular Greece, Cyprus, Israel and Egypt) was another theme highlighted by the Turkish university professor, who also denoted a “revitalization” in the entire area.
“Hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos deslocou-se à Turquia, a primeira visita em nove anos, e assiste-se a uma revitalização em toda essa área”, assegurou, num processo que englobará os restantes países da zona, incluindo a Líbia, e na sequência do contestado acordo marítimo entre a Turquia e o ex-Governo de Acordo Nacional liderado por Fayez al-Saraj em novembro de 2019.
“Em 24 de dezembro vão decorrer eleições na Líbia e em definitivo a Turquia não desempenha uma função decisiva, mas é importante nesse país. E na minha perspetiva não é apenas a única responsável pela turbulência na área, porque existem muitos outros”, asseverou.
Pela sua situação geopolítica, e a sua particular perspetiva multilateralista, a Turquia também tem mantido contactos regulares com os talibãs, após a sua tomada do poder no Afeganistão em Agosto, e com o vizinho Paquistão, uma abordagem que “ainda não é muito bem compreendia” a nível externo.
“Mas estou seguro de que nas próximas semanas e meses” as posições turcas “terão outro valor, a nível diplomático, político, militar e económico. É um outro nível do multilateralismo turco”.
Perante este panorama, e apesar dos “múltiplos desafios” enfrentados pelo multilateralismo turco, Husseyin Bagci concluiu com uma ambição: “tivemos falhanços e sucessos, mas espero que se tenham extraído lições de todos estes erros em particular no Médio Oriente e que se torne num fator multilateral mais positivo da política externa da Turquia”.